terça-feira, 11 de março de 2014

Espanha repele imigrantes africanos: Violência marca os corpos dos recém-chegados a Melilla

Por SUZANNE DALEY
MELILLA, Espanha - É fácil identificar os recém-chegados ao abrigo para imigrantes aqui em Melilla, minúsculo enclave da Espanha no norte da África. Um homem tem o tornozelo engessado e anda mancando, com a ajuda de muletas. Outro tem o braço enfaixado numa tipoia. Abbdol Cisse, 19, ostenta pontos no rosto. "A polícia do Marrocos atirou pedras em nossas cabeças", contou Cisse. "Enquanto subíamos a cerca, policiais nos batiam com barras de ferro."
Dez anos atrás, a Espanha gastou mais de € 30 milhões para reforçar as barreiras em torno de Melilla e Ceuta, seus dois enclaves cercados pelo Marrocos, no norte da África, que oferecem as únicas fronteiras terrestres entre a promessa da Europa e o desespero da África. O investimento pareceu ter dado frutos, por algum tempo.
Mas, no último ano, imigrantes subsaarianos vêm investindo com frequência crescente contra as fileiras de cercas de alambrado de seis metros de altura ou tentando nadar até o outro lado delas, acreditando, com boa dose de razão, que, se conseguirem transpor as cercas, vão acabar chegando à Europa. Com frequência, eles acabam feridos, não apenas por quedas e pelo arame laminado em concertinas que foi instalado recentemente, mas pelas autoridades marroquinas e espanholas.
No mês passado, a polícia militar espanhola em Ceuta, diante de 250 imigrantes que estavam subindo pelas cercas ou nadando perto da costa do enclave espanhol, disparou balas de borracha na água. Ainda não se sabe se os policiais atingiram os imigrantes ou se estes se afogaram, mas 15 corpos já foram recuperados.
Hoje em dia, veículos militares circulam pelas ruas próximas à cerca erguida em volta de Melilla, enquanto helicópteros sobrevoam a área. O abrigo de Melilla está tão superlotado que pessoas como Abbdol Cisse dormem em beliches triplos. Mesmo assim, elas estão a caminho de conseguir o que buscavam. A maioria dos imigrantes encarou viagens brutais e agora provavelmente terá que passar um ano ou mais no centro de imigração. Poucos vão ganhar asilo. Mas a maioria acabará sendo transferida para a Espanha continental antes de receber uma ordem para deixar o país.
A maioria deles não poderá ser deportada, porque a Espanha não possui tratados com muitos dos países de origem dos imigrantes. Isso significa que muitos dos que conseguem chegar a Melilla e Ceuta poderão permanecer na Espanha ou em outros países europeus.
A crise econômica espanhola pode ter alguma relação com a pressão crescente em Ceuta e Melilla. A Espanha foi obrigada a reduzir a ajuda que dá ao Marrocos e que, nos últimos anos, impediu que africanos subsaarianos chegassem perto demais dos enclaves. No ano passado, 4.235 imigrantes chegaram por terra, contra 2.841 no ano anterior, segundo autoridades. Nas últimas semanas, as investidas contra as cercas têm sido constantes. Às vezes os homens usam luvas para proteger suas mãos.
As forças espanholas são acusadas de devolver imigrantes ao Marrocos mesmo quando eles conseguem chegar e têm direito a solicitar o asilo. "Antigamente os imigrantes se escondiam depois de passar pela cerca", comentou Isabel Torrente, líder de um grupo que defende a causa dos imigrantes. "Mas agora eles querem a qualquer custo ser visíveis. Chegam a subir em postes para que as pessoas os vejam, de modo que não possam ser mandadas de volta."
Passar por cima das cercas não é a única maneira de penetrar nos enclaves. Especialistas dizem que mulheres subsaarianas tendem a vir de barco.
Mais recentemente os enclaves têm atraído sírios em número crescente. Como eles se parecem mais com os marroquinos e, em muitos casos, possuem algum dinheiro, conseguem comprar ou alugar passaportes marroquinos e simplesmente atravessar a fronteira andando, com outros trabalhadores diaristas.
Para a maioria dos homens subsaarianos, as investidas contra as cercas representam a fase final em seu esforço para chegar à Europa. "Passei dois anos viajando por terra de Camarões para cá e quase dois anos mais escondido na mata aqui", contou Musa Bankura, 36.
"Minha família gastou todas suas economias. Não posso voltar para casa agora sem nada."
Colaboraram Rachel Chaundler e Samuel Aranda
NYT, 11.03.2014
www.abraao.com

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